Mais um ano se inicia cheio de
surpresas, mas com a certeza de alento para os necessitados: Bolsonaro foi para
Orlando. Uma volta negociada nos parece impossível. Bastaram a neutralidade das
Forças Armadas e o receio de prisão real, para a ida do presidente afastado.
Agora com um governo alienígena, as coisas pioraram, porquanto inquéritos
judiciais serão abertos e requerida a sua detenção, a meu ver erradamente.
Hoje, as democracias consagram
a tripartição dos poderes em que pese o cesarismo, (Júlio César ousou ameaçar o
"senatus romano" e acabou esfaqueado até pelo amigo Brutus). A
história não é tão mestra como pensamos, o que estaria a pesar contra o
ex-presidente! A restauração do Estado de Direito em sua plenitude, a cada
eleição popular, é absolutamente necessária assim como os crimes de
lesa-pátria, inadmissível que presidentes lutem por instalar-se no governo da
nação para requerer poderes que a Constituição não lhes reconhece.
A América Latina, outrora
useira e vezeira em pronunciamentos, não terá no Brasil nenhum porta-voz
falando português. Chega-se ao poder pelo voto periódico e popular. Vox Populi
— vox Dei relata o ditado que remonta à velha Roma dos Césares. A morte de
Júlio tem sido propositalmente contada em seu prol, e não o contrário, ou seja,
como uma aventura que lhe custou a própria vida, na medida em que buscava o
poder unipessoal contra a boa prática dos costumes romanos.
Temos todo o mês de janeiro
para meditar sobre os rumos da democracia nos países centrais, o que inclui os
Estados Unidos (EUA) e a Rússia. Nunca será demasiado vincar que Putin fez
carreira opondo-se ao socialismo real, o qual Gorbachev denunciou, seguindo-se
Yeltsin e ele próprio, não em nome do socialismo, mas do capitalismo sob a
influência do Estado, daí o apelido que lhe deram de autocrata (unir os
autocratas e a Igreja Ortodoxa russa em prol do capitalismo de Estado).
Em verdade, Putin não
representa o falecido socialismo real, mas o Estado russo e seus interesses
geopolíticos, hoje carecedor de apoio e, pois, se aproximando da China. Tem
muita gente pensando que a Rússia é um Estado socialista, baita falsidade em
desfavor de uma análise ponderada do cenário internacional. Toda política
externa se faz em prol dos interesses nacionais dos mais de 108 Estados
soberanos que dividem o planeta Terra. É de se ver, v.g, como o ex-presidente
Bolsonaro se uniu a Putin, assegurando os grãos a Rússia em prol dos nossos
interesses, em detrimento da Ucrânia, uma nação que tem menos do que 40 anos
(era parte da Rússia).
Robert H. Jackson no seu The
struggle for judicial supremacy lançou a assertiva de que Marshall, "que
entendia tanto de política quanto de leis", escolheu para lançar sua tese
um caso em que Jefferson, então Presidente da República, tinha grande interesse
partidário e no qual a decisão foi inteiramente favorável ao Executivo. A sua
estratégia fora, realmente, magistral. Raul Machado Horta adjudica ao assunto
interessantíssimos adminículos: o caso Marbury v. Madison, de 1803, favoreceu,
finalmente, os desígnios de Marshall. Tratava-se de assunto de pequena
importância, com origem na recusa dos republicanos de Jefferson de empossar
modestos juízes de paz nomeados pelos federalistas de Adams, que nos últimos
instantes de seu mandato presidencial nomeou algumas dezenas de juízes de paz.
No açodamento das providências finais à transmissão do cargo a Jefferson,
eleito por partido adverso, o secretário, na época o próprio Marshall, não teve
tempo de providenciar o expediente necessário, deixando na mesa os atos de
nomeação. Ali os foi encontrar o secretário Madison, sucessor de Marshall.
Inteirado dos fatos, Jefferson ordenou que se expedissem apenas 25 atos,
inutilizando os demais. Entre os prejudicados, figuravam Marbury e os três
companheiros que recorreram à Suprema Corte, em 1801 (William Marbury, Denis
Ramsay, Robert Townsend Hooe e William Harper), pleiteando um writ of mandamus
contra o secretário Madison, para empossá-los nos cargos...!
Marshall admitiu à Justiça a
pretensão. Preocupava-o a resistência do Executivo à decisão favorável da
Suprema Corte. O caso, que não envolvia interesse material, colocou mais à
vontade o Chief-Justice para firmar decisão de profundas consequências
políticas. No exame do caso, Marshall invoca a inconstitucionalidade do artigo
13, da lei de 1789, no qual se basearam os recorrentes; artigo esse que
deferia, à Suprema Corte, a faculdade de expedir, diretamente, writ of
mandamus, em desacordo como o texto constitucional, que lhe conferiu, em
princípio, jurisdição de apelação. "Inicialmente, os interessados deveriam
postular seu direito perante uma das Cortes de Distrito, para, em grau de
recurso, se cabível, submeter o caso à apreciação da Suprema Corte. Lançado o
princípio, Marshall realiza uma retirada, no bom sentido militar, invocando a
incompetência da Corte Suprema para decidir o caso concreto".
Obra de arte política, a
sentença reconhecia o princípio do controle judiciário da constitucionalidade
das leis!
*Correio Brasiliense
Domingo, 29 de janeiro 2023 às
10:22