Governo
Federal definiu que mais de 93% dos brasileiros devem estar aptos a captar o
sinal digital
A
distribuição de conversores de TV Digital não se trata, como pode parecer, de
alguma benesse, mas de uma necessidade econômica de radiodifusores das
operadoras de telefonia celular.
Cerca
de 14 milhões de conversores de TV digital serão distribuídos gratuitamente
para beneficiários de programas de transferência de renda (como o Bolsa
Família), que provavelmente ainda não possuem aparelhos de TV capazes de captar
o sinal digital. ...
Não
se trata, como pode parecer, de alguma benesse, mas de uma necessidade
econômica de radiodifusores (desejosos de encerrar suas transmissões
analógicas) e, principalmente, das operadoras de telefonia celular (que
precisam de parte do espectro atualmente alocado para o UHF para vender
serviços de 4G). E para que o sinal analógico possa ser desligado, o Governo
Federal definiu que mais de 93% dos brasileiros devem estar aptos a captar o
sinal digital. Daí a necessidade de distribuir os conversores para as camadas
mais pobres.
O
governo tem argumentado que há um ganho nesse processo, na medida em que todos
os conversores terão embarcados o middleware brasileiro Ginga. Ele funciona
como uma espécie de sistema operacional, onde aplicativos são instalados e
utilizados nas TVs. Seria uma forma de garantir a tal interatividade prevista
na implantação da TV aberta digital, mas que até hoje continua sendo mera
esperança.
Mas
será mesmo que ter o Ginga nos conversores resolve o problema? Na verdade, a
definição do modelo de conversor foi fruto de uma intensa batalha dentro do
Grupo de Implantação do Processo de Redistribuição e Digitalização de Canais de
TV e RTV (GIRED). O Grupo era constituído pela Anatel e pelas empresas de
telefonia e de radiodifusão. Ao final, saiu vencedora a posição de
radiodifusores e operadoras de telefonia celular, a despeito da versão que o
governo se esforça em contar.
As
teles terão que pagar a conta desses conversores (para poderem usar o espectro
de 4G), mas não estavam interessadas em gastar muito. Os radiodifusores sempre
deixaram claro que veem a interatividade como um inimigo capaz de lhe impor
evasão de audiência e risco de perda de anunciantes. Quanto mais unidirecional
for a TV, maior controle o radiodifusor tem da audiência. Foi assim que a
interatividade acabou “esquecida” na implantação da TV digital, em 2006, e
ocorre agora da mesma forma.
Os
defensores da proposta do GIRED argumentam que há apenas “pequenos problemas” a
serem resolvidos. Mas, quais seriam, então, esses pequenos problemas?
Em
primeiro lugar, os conversores não virão com um modem para acesso à internet
instalado e tampouco com conexão wi-fi. Ou seja, o beneficiário do Bolsa
Família terá que comprar um modem 3G/4G das operadoras de telefonia celular e
contratar um plano de internet, ou pagar por um serviço de banda larga fixo. A
Pesquisa de Mídia Brasileira de 2015, da Secretária de Comunicação da
Presidência da República, mostra que 78% da população brasileira que recebe
menos de 1 salário mínimo não tem acesso à internet. Imaginar que essa parcela
da população passará a assinar os serviços de internet apenas para conectar a
TV Digital é de uma ingenuidade sem tamanho. Ainda mais quando o Plano Nacional
de Banda Larga naufraga no país.
Mas,
não é apenas esse o problema. O cidadão que conseguir transpor essa evidente
barreira de renda se verá diante do fato de que apenas aplicativos autorizados
pelas emissoras poderão rodar neste conversor. Trata-se, portanto, de uma
interatividade confinada em ambiente totalmente controlado pelas emissoras de
televisão. Você pensou em Internet? Esqueça!
TV-Digital
Consumidor
observa opções de TVs em loja de São Paulo
O
que estamos assistindo agora é mais um capítulo da implantação da TV digital
aberta no país sob controle total das principais redes de televisão,
particularmente a Globo. Foram eles que garantiram que não haveria
multiprogramação e operador de rede (e com isso sabotaram uma das principais
vantagens da TV digital, que é a compressão do sinal para entrada de novas
emissoras). Foram eles que evitaram a interatividade com medo de terem que
disputar a audiência também com novos aplicativos. E são eles agora que
garantem um simulacro de interatividade, sob os olhares complacentes do Governo
Federal. Diga-se de passagem, os fabricantes de aparelhos de TV também ficaram
muito felizes por não terem concorrentes para os aplicativos de suas smarTVs.
Mesmo
propostas, como o projeto “Brasil 4D”, desenvolvido pela Empresa Brasil de
Comunicação, estão em xeque. O projeto oferece serviços de governo eletrônico
pela TV Digital. No entanto, sem uma interatividade plena, possibilidades como
a marcação de consultas no SUS e o acesso a benefícios do INSS não serão
possíveis. Restará a possibilidade de acesso a informações gerais sobre
programas de governo, que já podem ser acessadas pela internet e em aplicativos
móveis, sem uma interação que beneficie os cidadãos.
Infelizmente,
a despeito da propaganda que você terá contato, a distribuição destes
conversores não passa de mais uma chance perdida para a efetiva democratização
da TV aberta no Brasil. Não há nada o que comemorar.
Fonte:
*Por Gésio Passos e Gustavo Gindre, revista CartaCapital
Quarta-feira,
10 de junho, 2015