O
que se temia como uma probabilidade está se transformando numa amarga
realidade. O Judiciário vem colocando em curso um movimento abafa Lava Jato.
Parece considerar que ela foi longe demais e quer lhe cortar as asas. A
estratégia de implosão da operação – que nos últimos tempos desencadeou o mais
bem-sucedido esquema de combate à corrupção da história do País – é tenebrosa.
A Segunda Turma do STF, composta na maioria por togados que não se conformam
com as regras em vigor e que, sempre que podem, contrariam a jurisprudência,
passou a desfazer sistematicamente decisões colegiadas, numa afronta gritante à
ordem estabelecida. O triunvirato Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo
Lewandowski adotou o método liberou geral.
Na semana passada a prática livrou das grades
criminosos condenados em segunda instância como o ex-ministro José Dirceu e o
ex-tesoureiro do PP, João Claudio Genu, numa interpretação muito peculiar (para
não dizer em completa dissintonia) ao entendimento em vigor, ignorando a
posição da plenária do Supremo que havia determinado o princípio da prisão
sumária nesses casos. O ministro Toffoli, relator do processo de Dirceu, criou
o que pode ser entendida como uma artimanha legal para emitir o chamado habeas corpus
“de ofício” baseado no que considerou uma alta “plausibilidade jurídica no
provimento dos recursos excepcionais”. Traduzindo em miúdos a rebimboca da
parafuseta, Toffoli, que já assessorou o PT na Câmara e foi subordinado ao
próprio Dirceu no ministério da Casa Civil como ex-advogado-Geral da União do
governo petista, entendeu que as queixas do ex-chefe, até então preso, poderiam
vir a ser consideradas procedentes mais adiante em julgamentos futuros. Decidiu
assim por um alvará de soltura preventivo.
Que tal? Dessa maneira, Dirceu, que já havia
recorrido a toda sorte de embargos infringentes, embargos declaratórios e
instrumentos protelatórios possíveis, que tinha sido condenado no “Mensalão” e
voltou a delinquir no “Petrolão”, saiu de novo livre e serelepe pela porta da
frente do cadeião da Papuda, para a indignação geral e revolta da população. O
colega Fachin alertou para a inconveniência de um julgamento destoando do
entendimento do pleno.
Tofolli deu de ombros, foi seguido no voto
pelos aliados de sempre, Gilmar Mendes e Lewandovski, compondo a maioria
acachapante do Tribunal para abrir a cela contra o voto isolado de Fachin. As
libertações de Dirceu e, logo após, Genu configuram um escárnio à sociedade,
uma humilhação civil, sinalizando o descompasso da Justiça de acordo com o réu
em questão. Ministros do STF, que deveriam zelar pela estabilidade legal, estão
provocando, eles mesmos, uma insegurança jurídica sem precedentes, enterrando
na lama qualquer resquício de credibilidade dos poderes constituídos.
É
uma vergonha que as devidas ações legais sejam submetidas ao que o professor de
Direito Constitucional, Joaquim Falcão, definiu como “eternidades temporais da
Corte”, nas quais o sistema é permissível a recursos infindáveis. Pontifica
Falcão a necessidade de se estabelecer o quanto antes quem dá a palavra final,
se o pleno do STF ou “o monolítico trio anti-Lava Jato”. A troika de ministros
insatisfeitos com a jurisprudência em vigor animou-se em fazer concessões
escabrosas, como a sinalizar preferências pessoais e ideológicas. Na mesma
semana, o grupo de magistrados anulou as provas obtidas na residência da
senadora do PT Gleisi Hoffmann e de seu marido, o ex-ministro petista Paulo
Bernardo, por considerar ilegal a busca, criando assim uma nova figura na Lei,
que soa como gambiarra, da “casa com foro privilegiado”. Não ficou por aí: o
time ainda manteve em liberdade Milton Lyra, um lobista ligado ao MDB que
responde a inquérito por desvio de verbas e, ato contínuo, suspendeu a ação
penal contra o deputado estadual Fernando Capez, do PSDB paulista, por delito
na área de merenda escolar.
Agrados
distribuídos a granel em todas as direções. Por essas e outras o País vai,
lamentavelmente, assistindo a uma desmoralização do esforço anticorrupção.
Viraram pilhéria as deliberações de juízes de instâncias inferiores e de
procuradores que tentam barrar a escalada de falcatruas em série dos bandidos
notórios. Esses abastados salafrários logo arrancam mais adiante um alvará de
soltura. A política de porteira aberta da Segunda Turma tem trazido efeitos
colaterais inevitáveis: provocou, por exemplo, uma corrida incessante de
advogados de defesa para reorientar suas apelações àquele tribunal que já é
considerado como o “Jardim do Éden” de condenados. Alcançar a graça de ser
julgado por um Lewandovski, Toffoli ou Gilmar, na Segunda Turma do STF, parece
significar, no entender desses advogados, um largo passo rumo à liberdade de
seus clientes. De tal maneira que, nem bem saiu a deliberação sobre Dirceu, o
jurista Cristiano Zanin, que representa o célebre detento Lula, entrou com novo
recurso e pediu explicitamente que a peça fosse remetida e analisada por esse
grupo.
Passa
assim a valer a escrita da loteria: dependendo de onde cair o caso o réu não
tem com o que se preocupar, fazendo da Carta Magna uma tábula rasa,
interpretada ao sabor das convicções de cada magistrado. Uma coisa é certa: sem
unificar entendimentos, o Supremo segue à deriva. Deixa de discutir conceitos e
doutrinas para se dedicar a meros acertos de patotas com diferenças
inconciliáveis. Quem perde diante de tamanha aberração? O País, a Lava Jato e a
Justiça. (IstoÉ online)
Sexta-feira,
29 de junho, 2018 ás 10:00
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