Entidades
das áreas médica e de enfermagem do Rio de Janeiro recomendam que o choque de
gestão prometido pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para os
hospitais federais no estado comece pela recomposição do quadro de
profissionais concursados. Para três organizações de classe, a não reposição de
profissionais especializados que se aposentaram ou deixaram as unidades
prejudica os serviços prestados à população.
A
sugestão é compartilhada pela Federação Nacional dos Médicos (Fenam), pelo
Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) e pelo
Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (Coren-RJ).
No
total são seis hospitais, sob responsabilidade do governo federal: os do
Andaraí, de Bonsucesso, Cardoso Fontes, dos Servidores do Estado, da Lagoa e de
Ipanema. Há ainda duas unidades da rede federal que concentram atendimentos de
alta complexidade e também o Instituto Nacional do Câncer (Inca), o Instituto
Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) e o Instituto Nacional de
Cardiologia (INC).
Gravidade
O
Cremerj e o Coren-RJ, assim como a Fenam, consideram que a situação é mais
grave no Hospital Federal de Bonsucesso, no qual o corpo clínico enviou uma
carta ao ministério pedindo a imediata exoneração da direção do hospital. O
documento foi entregue no dia 16 ao ministro pelo presidente da Federação
Nacional dos Médicos, Jorge Darze, e relata que o hospital sofre
desabastecimento decorrente da "incompetente gestãol" da unidade.
Na
carta, é detalhado que o déficit de pessoal, principalmente de médicos, leva à
"progressiva desativação dos serviços especializados". Jorge Darze
relata que a unidade coronariana do hospital teve que ser fechada e lembra que
os transplantes hepáticos já haviam deixado de ser realizados no hospital pela
falta de médicos. "O hospital também é transplantador de rim. Essa
atividade continua ocorrendo, mas em nível inferior ao que era desempenhado
anteriormente", afirmou.
O
documento encaminhado pelo corpo clínico do hospital também afirma que a direção
foi nomeada por influência de um deputado federal da Baixada Fluminense. O
presidente da Federação dos Médicos considera que este é um problema histórico
que precisa ser rompido pelo governo federal.
Ação emergencial
Para
Darze, o Ministério da Saúde deve adotar uma política mais ofensiva. “Para
garantir que [os hospitais] possam funcionar de maneira mais adequada,
inclusive rompendo uma histórica situação em que os diretores dessas unidades
são indicados por deputados federais do Rio de Janeiro."
Depois
de se reunir com o ministro da Saúde no dia 16, o presidente da Fenam alertou
sobre os impactos do quadro atual. "Mostrei que a situação tende a piorar
se o ministério não tomar medidas urgentes. Há um quadro de pessoal com idade
para aposentadoria, e a rede vem perdendo grande quantidade principalmente de
médicos especialistas."
A
solução que o presidente da federação sugere é a contratação de mais
profissionais por meio de concurso público. No ano passado, o Ministério da
Saúde autorizou a contratação de 3,5 mil profissionais temporários para os
hospitais federais, incluindo mais de 1,3 mil médicos.
"A
forma temporária não é a que entendemos que deve ser utilizada para resolver o
problema da rede. Ela não é estimulante, não contribui para que as pessoas se
fixem nessas unidades. Ninguém quer trabalhar temporariamente, principalmente o
médico. Ele quer ter a certeza de que vai trabalhar ali e vai construir a vida
dele naquele hospital e atender à população que procura a unidade de maneira
continuada", afirmou Darze, apelando para a valorização da carreira de
médico com melhor remuneração.
Outro lado
Em
nota, o Ministério da Saúde informou que "o ministro recebeu da Fenam a
manifestação do corpo clínico do Hospital de Bonsucesso. O documento, assim
como todos aspectos clínicos, de gestão e de produção serão analisados e objeto
de ação de uma força-tarefa do Ministério da Saúde para os hospitais federais
no Rio. O objetivo é ampliar e melhorar o atendimento à população".
O
presidente do Cremerj, Sylvio Provenzano, considera que problemas de gestão
estão associados a boa parte das deficiências dos hospitais federais. Como
ex-chefe do serviço de clínica médica de um dos hospitais federais, o dos
Servidores do Estado, Provenzano disse ter visto de perto o desfalque na equipe
com a não reposição de profissionais.
"Evidentemente,
o ideal seria concurso público, e não uma contratação que tem prazo de dois
anos e que pode ou não ser renovada. O vínculo do profissional com a
instituição é muito frágil. Ele sabe que, após dois anos, o contrato pode ser
encerrado sem qualquer explicação".
Para
o médico, é fundamental fazer um diagnóstico completo da área de recursos
humanos (RH). “É preciso um mapeamento adequado do RH de todas as unidades para
que possa haver uma compatibilização adequada da proposta de atendimento com o
pessoal. De nada adianta eu querer aumentar o numero de leitos se paralelamente
não tiver um aumento do RH."
Relatos
Segundo
o Cremerj, os relatos mais graves que recebe vêm de casos ocorridos nos
hospitais federais de Bonsucesso e do Andaraí, no qual há dificuldades para
atender ao fluxo da emergência. "Não é uma situação que de perto se pareça
com a que Bonsucesso vive". Nas demais unidades, avaliou, a situação
parece mais tranquila, apesar de relatos sobre falta de material para cirurgias
e próteses. "São coisas que a gente espera que a partir de 2019 comecem a
ser corrigidas."
Provenzano
e Darze dizem que a falta de profissionais estrangula não apenas os serviços
ambulatoriais especializados, mas também as emergências abertas à população. Em
unidades como Cardoso Fontes, Andaraí e Bonsucesso, a chegada de atendimentos
de urgência disputa a atenção dos médicos com procedimentos de alta
complexidade que já estavam marcados.
A
vice-presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro, Ana Teresa
Ferreira de Souza, acrescentou que a falta de médicos especialistas causa
impacto direto no dia a dia dos enfermeiros, de quem muitas vezes é exigida uma
atuação que ultrapassa as atribuições legais.
"Por
ausência de médicos, o enfermeiro foi obrigado, em alguns momentos, a fazer
classificação de risco e dispensar ou direcionar pacientes para outras
unidades. Isso é proibido", disse a enfermeira, acrescentando que o
Hospital Federal de Bonsucesso "está no topo" da crise, mas os problemas
vão além dessa unidade. Segundo Ana Teresa, o cenário atual provoca distorção
de atividades e atribuições.
"Você
tem um enfermeiro cuidando de mais de 30 pacientes, o que é ilegal. Você vê uma
emergência de portas abertas com camas, macas e cadeiras improvisadas nos corredores.
Do ponto de vista de ambiência segura, isso é totalmente ilegal. Inclusive a
enfermagem se depara o tempo todo com a iminência de estar sendo exposta a
negligência, imperícia e imprudência por causa disso."
Concurso
A
vice-presidente do Conselho de Enfermagem defendeu como prioridade a realização
de concurso público para equacionar os problemas nos hospitais federais do
estado.
"Essa
rotatividade de pessoal lotado nessas unidades gera uma perda de cultura
organizacional muito grande. Essas alternativas paliativas para contratação não
são a melhor forma. Se ele [ministério] precisa de uma medida para melhorar, o
concurso público é talvez a primeira saída", afirmou Ana
A
enfermeira também citou problemas nos insumos disponíveis para os profissionais
trabalharem, o que causa mais prejuízos à população. "A ausência de
materiais é uma coisa absurda. Frequentemente, a enfermagem acaba sendo
obrigada a trabalhar com materiais de qualidade inferior ao que é preconizado
por órgãos que tratam de segurança. Parece que não, mas a falta de uma seringa
adequada pode comprometer a vida de uma pessoa."
O
Núcleo do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro informou à Agência Brasil que a
rede tem 20 mil profissionais e que a maioria é formada por servidores permanentes.
"O Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) informa que há na rede federal,
ao todo, 20 mil profissionais, cujo quadro funcional é composto essencialmente
por servidores permanentes, concursados, com carga horária definida por lei,
além de servidores temporários da União. ”
Como
parte do processo seletivo realizado em 2018 para os hospitais federais, Into e
INC, está em andamento a realização de cerca de 4 mil contratos temporários da
União (CTU). Essas contratações obedecem a decisões judiciais sobre o assunto e
encontram-se, estritamente, dentro do orçamento aprovado para isso." (ABr)
Domingo,
20 de janeiro, 2019 ás 00:05
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