É
chegado o momento da decisão do STF sobre a prisão em segunda instância. A
tendência é que a medida seja revogada. O país se mobiliza contra o grave
retrocesso. O desfecho pode ser trágico, com milhares de presos soltos, entre
eles, Lula. Conflitos de rua são esperados
Começa
na quinta-feira 7 o tenso segundo tempo do jogo mais dramático da história do
Judiciário brasileiro após a redemocratização do País, em 1985. Em jogo está o
julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, se o início do cumprimento de sentença
penal condenatória deve se dar a partir da segunda instância. Se o STF optar
pelo sim, isso significa que terá sequência no Brasil um rigoroso combate à
impunidade. Em caso contrário, se a Corte decidir que se cumpre pena somente
com a sentença transitada em julgado (esgotamento de todos os recursos
possíveis), é ela própria, por meio de seu tribunal constitucional, que estará
escancarando as portas para que todos os crimes corram soltos – entre eles, no
campo político, os de corrupção e lavagem de dinheiro. No primeiro tempo dessa
crucial batalha, o placar ficou em quatro a três a favor do duplo grau de
jurisdição: quatro ministros votaram pela segunda instância (leia-se tribunais
estaduais e federais) e três ministros foram favoráveis ao princípio do
trânsito em julgado, o que empurra os processos por uma eternidade enquanto os
criminosos permanecem em liberdade. O julgamento transformou-se numa guerra de
torcidas.
A
apreensão é geral, sobretudo porque a decisão pode mergulhar o País em
conflitos e tumultos de manifestações nas ruas, com repercussões políticas e
jurídicas sem precedentes. De um lado, estão as pessoas de bem, a grande
maioria dos brasileiros que pagam impostos e são extorquidas por governantes
desonestos, para ficarmos somente na esfera dos delitos de colarinho branco.
Aliás, o povo é o mais ardoroso defensor da prisão em segunda instância, por
uma questão de lisura da Justiça, de defesa da moralidade e do combate à
corrupção. Os brasileiros honestos não mais suportam ver pessoas da administração
pública refestelando-se ad eternum com o dinheiro que roubaram enquanto
aguardam uma distante terceira instância e eventual prescrição da pena. Falando
agora de criminosos como um todo, os magistrados chegaram ao consenso de que os
envolvidos nos chamados crimes hediondos (estupro, latrocínio e sequestro, por
exemplo) não serão beneficiados pela artimanha da terceira instância que está
em gestação. Dados do Ministério Público dão conta de que nada menos de cinco
mil presos serão soltos — entre eles estão 38 condenados pela Lava Jato, e o
mais famoso é o ex-presidente Lula, que cumpre pena de oito anos por corrupção
e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. Um ponto em comum une
corruptos e facinoras: todos desejam deixar as cadeias onde estão confinados
ou, então, não serem presos de imediato, ainda que existam substanciais provas
de seus graves crimes.
Contra
a vontade majoritária da população, carente de Justiça, se posicionaram: Marco
Aurélio Mello, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Agora, falta conhecermos os
votos de outros quatro juízes, nessa ordem: Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso
de Mello e Dias Toffoli, em sessão que será exibida pela TV Justiça. A
tendência é que Cármen seja o quinto voto alinhado ao grupo do bem, enquanto Gilmar
e Celso deverão jogar a favor daqueles que tem dinheiro para se valerem dos
mais caros advogados em suas defesas. As posições de Gilmar e Celso contra a
segunda instância são sobejamente conhecidas. Gilmar está antecipando o voto de
forma tão antirregimental que até já prega o fim da Lava Jato publicamente: “Eu
não sei se a Lava Jato ainda é necessária. Ainda tem corrupção na Petrobras?
Quais são os casos? O que remanesce? A força-tarefa é uma medida excepcional
para situações excepcionais”.
O
placar tende, assim, a ficar em cinco a cinco, e caberá então ao presidente do
STF, ministro Dias Toffoli, desempatar. Como ele já votou no passado pelo fim
da prisão em segunda instância, há uma sinalização de que deve manter tal
posicionamento – estaria libertando Lula, e, por ironia do destino, o
ex-presidente já o teve como advogado de defesa nas campanhas de 2002 e 2006.
Toffoli foi, também, assessor do ex-ministro José Dirceu, outro condenado
beneficiado se ocorrer mudança de entendimento do STF. Toffoli prefere fugir do
debate sobre os presidiários da Lava Jato. “O presente julgamento não se refere
a nenhuma situação particular”, diz ele. É bem provável que o placar final
dessa suprema decisão ainda não seja conhecido nesse momento. Motivo: os
ministros Cármen Lúcia e Gilmar Mendes já avisaram que precisarão de bastante
tempo para a exposição de seus votos, consumindo assim todas as quatro horas da
sessão. Dessa forma, Dias Toffoli e Celso de Mello só deverão votar na reunião
do plenário marcada para o próximo dia 20.
Como
tudo indica que a tese da prisão em segunda instância sairá derrotada, diversos
segmentos já começaram a se manifestar na esperança de que o STF seja sensível
às suas reivindicações. O movimento Vem Pra Rua (organização popular mais ativa
no País atualmente) está mobilizando a sociedade por meio das redes sociais e
marcou um ato nacional de protesto para o domingo 3 – também fará muito
barulho, é claro, diante do próprio STF no dia do julgamento. Outro grande ato
está previsto para o sábado 9. “Até o dia 20 vamos realizar protestos quase que
diariamente em todo o Brasil para exigir que o STF mantenha a prisão em segunda
instância”, diz Adelaide Oliveira, porta-voz do Vem Pra Rua. Eis um trecho da
mensagem postada nas redes sociais: “Será uma manifestação inédita, pois ela
reunirá pessoas de todas as correntes de pensamento, ideologias e gostos. Gente
de todos credos e cores. Não importa em quem você votou, o partido que você
gosta e o político que você apóia”, diz trecho da mensagem divulgada pelo Vem
Pra Rua em suas redes sociais.
Embora
não haja um comando centralizado entre os caminhoneiros, parte significativa
deles ameaça tomar a Esplanada dos Ministérios e o entorno do STF no dia do
julgamento, além de agitar as ruas das principais capitais brasileiras.
Simpatizantes da Operação Lava Jato também deverão participar dos atos. Os
manifestantes anunciam ainda que a mobilização continuará após a decisão da
Corte, mas aí terá como alvo o Congresso. O objetivo é forçar os parlamentares,
que votarão Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) sobre o assunto, a
incluírem no texto da Carta a explicitação de que não existe relação entre
prisão em segunda instância e quebra do princípio da presunção de inocência.
Tal relação é evocada pelos defensores do trânsito em julgado, uma vez que a
presunção de não culpabilidade é cláusula pétrea — ou seja, só pode ser
modificada por uma nova assembleia constituinte. Já há, inclusive, uma PEC
tramitando na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que
regulamenta a possibilidade da prisão ainda que existam recursos no Superior
Tribunal de Justiça (STJ) e no próprio STF.
Moro:
“Verei com pesar”
Os
dois maiores defensores de que o STF mantenha o entendimento atual sobre o
início do cumprimento de pena estão temerosos de que a maioria dos ministros
retome a posição adotada em 2009, quando os réus podiam aguardar em liberdade o
resultado dos recursos até que se exaurissem todas as possibilidades — essa
posição mudou em 2016, uma vez que, por 6 a 5, os ministros aprovaram o atual
sistema. Gilmar Mendes, que antes votava pela prisão em segunda instância,
agora já anunciou que mudou de opinião e isso fará a diferença, derrubando a
jurisprudência em vigor. O procurador-geral da República, Augusto Aras, é defensor
intransigente do modelo atual. “A Constituição permite a prisão em segunda
instância. Aguardar o julgamento de todos os recursos pode levar ao abuso do
direito de defesa”, disse ele
Defensor
da prisão em segunda instância mais conhecido do Brasil, o ex-juiz federal e
atual ministro da Justiça, Sergio Moro, disse com exclusividade à ISTOÉ que
sempre teve a opinião de que “permitir a prisão em duplo grau de jurisdição foi
a principal inovação da jurisprudência do STF nos últimos anos”. Para ele, “o
processo tem de ter começo, meio e fim. Dessa forma, os tribunais precisam dar
uma resposta não só ao acusado, mas também à vítima. Do contrário, é denegação
de Justiça”.
Em
função disso, Moro afirma que se o STF mudar de entendimento, ele ficará
decepcionado. “Verei com pesar eventual revisão da regra”. Moro, contudo, deixa
claro que, “qualquer que seja a decisão, ela deve ser respeitada, assim como a
instituição, essencial para a democracia”. Foi graças à sua sentença, condenando
Lula em primeira instância no caso do tríplex, que o ex-presidente foi parar na
cadeia, depois de ter a pena confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª
Região (TRF-4), em janeiro de 2018.
Lula
solto
Caso
o STF volte atrás, Lula deve ser posto em liberdade ainda em novembro, o que
certamente acirrará o antagonismo entre lulistas e bolsonaristas. Prova disso é
que o Exército já prepara uma estratégia de ação para impedir conflitos de rua.
O PT está programando caravanas de Lula pelo País, com a organização de atos
públicos, e os seguidores do presidente Jair Bolsonaro ameaçam com confrontos.
Na verdade, juridicamente o ex-presidente receberá um salvo conduto do STF para
apresentar, em liberdade, inesgotáveis recursos.
Na
tentativa serenizar os ânimos e buscar uma solução pelo Poder Legislativo, o
ministro Dias Toffoli encaminhou ao Congresso, na semana passada, um ofício
para que os deputados processem mudanças no Código Penal que impeçam a
prescrição das penas enquanto ocorrer a tramitação de recursos em tribunais
superiores. Na terça-feira 29, o desembargador Leopoldo Raposo, do STJ,
suspendeu o julgamento que estava marcado para o dia seguinte e que analisaria
o pedido do MPF para anular a condenação a que o petista foi submetido no caso
do Sítio de Atibaia — ele foi condenado a doze anos de reclusão. O MPF queria
que o julgamento voltasse à fase de alegações finais em primeira instância,
possibilitando que a defesa de Lula apresentasse tais alegações no processo
após as alegações daqueles que delataram o ex-presidente. Lula pediu, porém,
que o STJ anulasse todo o processo — ou seja, sonha com um milagre jurídico.
Com a anulação das condenações do tríplex e do Sítio de Atibaia, ele tornar-se-ia
ficha limpa, condição que o faz apto a disputar as eleições presidenciais de
2022. Um delírio, mas que certamente conta com o jogo de alguns ministros do
STF para uma vitória no tapetão. Mais um estímulo à impunidade.
(Germano
Oliveira/IstoÉ)
Quarta-feira,
(06 /11/2019)
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