A
reunião ministerial do governo de Jair realizada em 22 de abril dá uma
perspectiva única sobre a sala das máquinas de seu governo populista de
direita. Para quem lê a transcrição da reunião, com 75 páginas, fica claro como
o governo funciona. Diante do mortal coronavírus, Bolsonaro só está interessado
numa coisa: deformar a realidade como lhe convém e expandir seu poder.
Quando
o gabinete se reuniu, há cerca de um mês, quase 3 mil brasileiros já haviam
morrido em decorrência do vírus. Uma semana antes, o então ministro da Saúde,
Luiz Henrique Mandetta, havia sido demitido. No entanto, o combate à covid-19 e
o número crescente de mortes não foram mencionados na reunião.
O
tema principal era o Plano Pró-Brasil, que foi apresentado à opinião pública
naquele dia. O plano de investimentos estatais em infraestrutura deveria
amenizar as consequências da pandemia por meio da criação de empregos. Ele foi
coordenado pelo ministro-chefe da Casa Civil, o general Walter Braga Netto, o
que, para o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi uma afronta. Como superministro,
o economista de Chicago deveria reformar o Estado e a economia, reduzir os
orçamentos e privatizar estatais. Mas, o Plano Pró-Brasil autoriza a ala
militar a gastar o que Guedes tinha economizado por meio de reformas. Nesse
meio tempo, nada mais se ouviu do Pró-Brasil.
Nas
duas horas de reunião, logo fica claro quem detém as rédeas do governo: o
presidente – e os militares. Braga Netto conduz o encontro, concedendo e
retirando a palavra. Apesar de ainda haver outros sete generais no gabinete,
eles permanecem em silêncio.
Sem
abrir a boca, eles escutam enquanto os chicoteadores ideológicos do governo
apresentam suas ideias abstrusas: o ministro da Educação, Abraham Weintraub,
quer colocar todo o Supremo Tribunal Federal na cadeia; a ministra da Mulher,
da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, quer que governadores e
prefeitos sejam presos; e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo,
sonha com uma nova globalização de valores, na qual o Brasil ajudará a definir,
ao lado de outras cinco nações, a nova ordem mundial.
Esses
ministros são frequentemente vistos como bobos da corte. Agora fica claro que
quem pensa assim está enganado: eles são os pilares decisivos que sustentam
Bolsonaro.
O
mesmo vale para o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que quer
permitir jogos de azar em resorts. Guedes aguarda ansiosamente por milionários
vacinados que viriam se divertir no Brasil.
O
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugere que se aproveite a crise do
coronavírus para "ir passando a boiada" e mudando a legislação
ambiental no Congresso, enquanto a imprensa está distraída.
Os
trechos da reunião que foram suprimidos aparentemente escondem declarações
desrespeitosas sobre a China. Segundo Guedes, a China é "aquele cara que
você sabe que tem que aguentar" porque o país compra muito do Brasil.
Bolsonaro
usa insultos grosseiros para falar sobre seus adversários políticos. Ou seja,
sobre todos os que não pensam como ele. O presidente queixa-se do fato de que,
segundo diz, a imprensa só implica com ele. Qualquer ministro que for elogiado
por jornalistas, perderá o cargo, afirma. Ele exige que os ministros o defendam
publicamente. Além disso, ele quer armar a população rapidamente, pois, segundo
ele, somente com cidadãos armados é possível evitar uma ditadura.
A
frase decisiva é aquela em que ele exige que "gente da segurança nossa no
Rio de Janeiro" seja finalmente trocada. Se isso não for feito, então que
se troque o chefe dele, e se isso não puder ser feito, que se troque também o
ministro, diz. "E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira."
Essas
declarações foram o motivo por que o também presente e então ainda ministro da
Justiça, Sergio Moro, anunciou sua demissão pouco depois. O presidente teria
tentado interferir na Polícia Federal para barrar investigações sobre corrupção
envolvendo seu filho Flávio Bolsonaro. Como prova, Moro exigiu a divulgação da
gravação da reunião – e o Supremo concordou.
A
interpretação jurídica é que com tais declarações de Bolsonaro não é possível
comprovar sem margem para dúvidas que Bolsonaro queria interferir no aparato
policial para proteger seu filho.
Apoiadores
de Bolsonaro pensam o mesmo: nas redes sociais, eles comemoraram os trechos
divulgados com o slogan "Bolsonaro 2022". Para eles, agora nada
impede que seu ídolo seja reeleito. A aparente inação e falta de interesse do
presidente na pandemia não parece incomodá-los.
Sobre
os restantes ministros e militares não há mais dúvidas após a divulgação do
conteúdo da reunião: a partir de agora, eles são corresponsáveis tanto pelo
número crescente de mortes na pandemia como pela tentativa de acabar com as instituições
democráticas.
*msn
Segunda-feira,
25 de maio, 2020 ás 10:00