O
governo federal segurou R$ 31,25 bilhões de gastos carimbados para a área de
saúde nos últimos 15 anos. São despesas do Orçamento da União destinadas à
saúde, mas que na prática acabaram canceladas ou ainda não foram efetivamente
executadas e pagas.
Esse
valor poderia bancar, por um ano, 10.416 das mais complexas Unidades de
Pronto-atendimento (UPAs), com nove médicos. Também seria possível pagar 161
milhões de sessões de hemodiálise e 70,5 milhões de partos normais, além de
comprar 379 mil ambulâncias. O montante represado equivale a um quarto de todo
o Orçamento do Ministério da Saúde em 2018.
Apesar
de não terem sido quitadas ao final de cada ano, essas despesas serviram para o
governo comprovar, em cada exercício, o cumprimento do mínimo previsto na
Constituição – o piso de recursos que o governo tem de, obrigatoriamente,
destinar para aplicação em saúde.
Um
levantamento mostra que os gastos represados na saúde somam R$ 19,4 bilhões e
os cancelados, R$ 11,8 bilhões. Nos dois casos, essas cifras passam a fazer
parte da rubrica “restos a pagar”, como são chamadas na contabilidade pública
as despesas empenhadas (comprometidas e ainda não pagas) que são transferidas
de um ano para o outro. O empenho é a primeira fase da despesa pública, quando
o governo assume, com o fornecedor ou prestador de serviço, o compromisso de
pagar por determinado produto ou serviço. O problema é que, mais tarde, o
empenho pode não se transformar em despesa liquidada e paga.
“É
uma promessa que não são se cumpre. Um cheque pré-datado. Se empenha e o
dinheiro de fato não chega”, disse Grazielle David, assessora do Instituto de
Estudos Socioeconômicos (Inesc). Segundo ela, quem mais perde com esse
represamento de recursos são os municípios, que precisam colocar mais dinheiro
na área da saúde para atender a demanda crescente. “Os municípios já estão no
limite.” Grazielle ressalta que isso já vinha acontecendo, mas que em 2017 a
retenção dessa verba “foi assustadora”.
Na
virada de 2017 para 2018, por exemplo, o Ministério da Saúde incluiu R$ 13,6
bilhões como “restos a pagar” – um valor recorde. Para cumprir o valor mínimo
previsto para saúde no ano passado, que foi de R$ 109 bilhões, o governo usou
R$ 8 bilhões de restos a pagar.
Parte
desses recursos, segundo o levantamento, levam até 10 anos para serem quitados.
Em 2017, por exemplo, o governo ainda estava pagando R$ 9 milhões de despesas
de 2007 e R$ 20 milhões de despesas de 2008. O mais grave, entretanto, são os
cancelamentos dos “restos a pagar”, que atingem até mesmo despesas liquidadas e
que, teoricamente, já teriam sido realizadas. Ao todo, cerca de R$ 4 bilhões de
“restos a pagar” processados foram cancelados entre 2003 e 2017.
O
histórico da evolução dos gastos com saúde mostra que os cancelamentos foram
expressivos no ajuste fiscal do primeiro ano de governo Lula, em 2003, e depois
voltaram a crescer a partir de 2009, quando as práticas de contabilidade
criativa passaram a se disseminar, principalmente em 2011, depois da posse da
ex-presidente Dilma Rousseff.
Em
2012, o Congresso aprovou uma lei complementar tentando limitar o uso de
“restos a pagar” no cumprimento do piso da saúde. A medida contribuiu para dar
mais transparência à fiscalização, mas não reverteu o problema.
Terça-feira,
20 de fevereiro, 2018 ás 07hs00
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