“Estamos
no ano que não acaba nunca.” A frase do economista José Roberto Mendonça de
Barros resume o sentimento do brasileiro. O ano de 2016 concentrou tantos
eventos mirabolantes – para o bem e para o mal – que exauriu a capacidade de
assimilação até dos pensadores mais afiados.
Na
largada, prometia ser o ano da virada, mas termina na maior recessão da
história. Foi o ano de salto nos pedidos de recuperação judiciais entre
empresas e de acelerado empobrecimento das família. As vendas despencaram.
Tivemos o pior Dia das Crianças em três anos, a pior Páscoa em 10, o pior Dia
das Mães em 13. O número de desempregados é inédito: 18 milhões, somando
esperançosos de encontrar uma vaga e desalentados que desistiram dela.
Na
esfera política, foi o ano do segundo impeachment desde a redemocratização.
Como quem deve trocar pneu furado com o carro andando, a nova equipe econômica
tenta, no meio da crise, deter o déficit nas contas da União, estancar o avanço
da calamidade financeira nos Estados e a explosão da dívida pública.
Foi
também uma fase de estonteantes denúncias. Na franja mais promíscua entre
público e privado, a Operação Lava Jato encerrou o seu terceiro ano com 120
condenações. Em breve se torna pública e oficial a “delação do fim do mundo”,
que levou o grupo Odebrecht a assumir a maior multa da história por pagamento
de propinas. Já se sabe que suas 77 delações mancham o governo e o Congresso –
os mesmos entes que devem levar adiante o duro ajuste fiscal e reformas
polêmicas.
Convicções.
Desse ano que “não tem fim”, Mendonça de Barros extraiu duas convicções: “Há
uma gigantesca rejeição à corrupção como prática de ganhar e exercer o poder. E
a crise econômica se mostra mais dura do que se imaginava”. O desafio é
equilibrar as demandas, sem que uma não esfacele a outra. Talvez uma
alternativa esteja na visão de Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central:
“A responsabilidade fiscal é a primeira providência para o combate à
corrupção”.
Em
seu diagnóstico, o cientista político americano Albert Fishlow argumenta que essas
tarefas são desafiadoras, porque implicam em reformas econômicas – como a da
Previdência – e políticas – como a redução no número de partidos –, sem a
penalização dos mais pobres: “As necessidades são extraordinariamente
numerosas, enquanto as maneiras de supri-las são escassas”, diz ele.
Junte-se
à equação o fato de o País ser uma democracia, aberta ao debate, e que as
medidas não são unanimidades. A proposta de emenda à Constituição que limita as
despesa, a PEC do Teto dos Gastos, já vale em 2017, mas atrai divergências.
“Mesmo que ocorram reformas amplas nos gastos obrigatórios, o limite proposto
gerará uma queda real do gasto social per capita. Em um País com a demanda
crescente por serviços públicos, é um retrocesso”, diz o ex-ministro Nelson Barbosa.
A reforma da Previdência, vital para o teto e ainda em tramitação, é mais
controversa . “O governo argumenta que se não aprovada, vai estourar a
Previdência. Não apresenta, no entanto, os dados, premissas e memória de
cálculo que deveriam embasar essa ameaça”, diz o economista Amir Khair.
Também
não ajuda o ambiente externo intrincado, principalmente a partir da eleição de
Donald Trump à presidência dos EUA. “Trump muda tudo. A única questão é em que
direção”, diz Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia, em
Berkeley. Juntando os cenários interno e externo, Mário Mesquita,
economista-chefe do Itaú, reforça que há muito trabalho pela frente:
“Terminamos 2016 com perspectivas melhores, graças a nova equipe econômica, mas
longe do que desejamos e do que o País merece”.
Distorções.
Essa frustração, porém, tende a se manter. As distorções econômicas são imensas
e demandam tempo para serem resolvidas, como explica Affonso Celso Pastore,
ex-presidente do Banco Central. “O retorno dos superávits primários somente
ocorrerá com a elevação das receitas vindas da retomada do crescimento, mas
isto não será fácil”, diz ele. Pior. O cenário é tão incerto que ainda pode
faltar “margem ao governo para impedir a continuidade da recessão”, diz a economista
Monica de Bolle. No artigo batizado de “Retrospectiva 2017”, ela lista o custo
de diagnósticos errados no próximo ano. “Que venha 2018. Ou torçamos para nada
disso aconteça.” (AE)
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