Vamos
saber dentro em pouco se o Luis XVI dos trópicos, nosso vulgo Lula, será
finalmente preso pelos crimes que cometeu ou se seguirá livre, leve e solto,
com o beneplácito do Supremo check-in, que acomoda o séquito de poderosos da
Corte no paraíso da impunidade, quaisquer que sejam os delitos praticados por
seus membros.
A referência ao monarca absolutista francês não é gratuita. Foi
levantada inicialmente pela própria defesa do líder petista que, em um arroubo
de erudição, misturou alhos e bugalhos comparando o Luis de lá e o de cá para
salvaguardar a liberdade de seu cliente. Por vias tortas, deu certo.
O Tribunal
encantou-se com a retórica. Imaginando-se talvez no clima do iluminismo
europeu, produziu uma jabuticaba jurídica.
A sentença do “congelamento”
temporário da condenação de Lula ainda pesa por esses dias como a mais
depravada decisão de que se tem notícia na Corte para acobertar os abusos de
quadrilheiros públicos e notórios. Ao menos nesse pormenor o STF contraria os
princípios ensinados pelo pensador iluminista Montesquieu que em sua obra
maior, “O Espírito das Leis”, pregou que o Judiciário deve ser percebido como
apolítico, um garantidor da estabilidade. O Supremo não atendeu nem a uma
coisa, nem a outra. Com a invencionice de um HC provisório – dá para definir
assim – gerou instabilidade legal em cascata e reforçou os sinais de que pauta
julgamentos pelo peso político que cada um deles carrega.
O caso Lula atropelou
trâmites, rompeu a jurisprudência em vigor e mostrou um comportamento
impensável dos senhores ministros: eis o Judiciário que legisla, ferindo a
regra basilar de separação dos poderes. O mais triste é perceber que a
avacalhação legal não encontra sequer respaldo na história. Revisitando a
experiência civilizatória que pôs a pique o reinado de Versailles, o Luis
francês foi decapitado para consagrar a democracia moderna e os ventos de
liberdade que influenciaram o mundo. O Luis tupiniquim, um arrivista
aproveitador das burras do Estado, ganhou de presente de Páscoa por seus feitos
uma escapada, ao menos preliminar, da vida crua dos condenados. Resta saber se
a alforria vai perdurar “ad aeternum”. A benevolência suprema parece atender
com presteza aos apelos de certas figuras de nossa República. Pena que nem
todos os brasileiros tenham acesso a essa Justiça. Em jogo, no caso Lula, uma
verdadeira anistia por crimes que quatro juízes, em duas instâncias,
unanimemente, julgaram terem sido cometidos pelo réu.
Receberá Lula novo
salvo-conduto para continuar a delinquir? Segue o script e, inevitavelmente,
entra na ordem do dia, mais uma vez, nesta quarta-feira, 4, o momento do juízo
final. Irão os senhores togados do Supremo confirmar ao País que, sim, o crime
compensa na esfera dos abonados – para quem as ações são meras peças
protelatórias sem causa ou efeito –, dando início a um festival de HCs
apelatórios dos encarcerados que pedirão igualdade de tratamento? Ou,
definitivamente, os senhores magistrados darão fim à anarquia dos recursos em
cascata que seguem em tramitação, por anos a fio, até que o crime prescreva? A
depender da estirpe da banca e da qualidade dos advogados, a não prisão após a
segunda instância – uma esquisitice jurídica que só teve guarida por aqui –
representará o vale-tudo para marginais de alta patente, espécie de indulto de
Páscoa.
O tribunal do STF ainda pode piorar o quadro com um estratagema
deplorável em meio à tensão que o País vive à espera do veredicto: um pedido de
vistas providencial, lançado por um dos magistrados simpáticos à causa petista,
que adiaria o resultado. Seria ardiloso demais, porém é o que se cogita a boca
pequena em um ambiente legal notoriamente supercamarada.
Ao contrário do que
sustentou a presidente Cármen Lúcia, o Supremo se apequenou. O decano Celso de
Mello já avisou que fará um “voto longo”, talvez para rebuscar com um
palavrório enigmático sua predisposição pró-réu. O colega de turma, Gilmar
Mendes, que defendeu ardorosamente, não faz muito tempo, a prisão em segunda
instância – lembrando ser o Brasil o único a não exercê-la – pode, daqui para
frente, caso mude de opinião, como tudo indica, se mostrar como um ambidestro
intelectual que adapta suas convicções e interpretações às demandas de ocasião.
Nada mais injusto que isso. É preciso coerência, estabilidade de decisões, tudo
que o STF não tem apresentado por esses dias. Se o Tribunal desta feita aceitar
o habeas corpus de Lula, o Brasil volta a ser coberto pelo manto da impunidade
para a vergonha, descrença e tristeza de seus cidadãos de bem, confirmando a
sina de que a Justiça sempre tarda e falha. (IstoE)
Sábado,
31 de março, 2018 ás 00:05
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