O
Brasil é um dos países em que há menos estudantes resilientes, aqueles que
apesar da condição de pobreza conseguem ter bom desempenho escolar. Um estudo
da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra só
2,1% dos alunos brasileiros com esse perfil. A pesquisa analisou resultados da
última edição do Pisa, maior avaliação internacional de educação, feita por
jovens de 15 anos. A média de resiliência entre países membros da OCDE é de
25,2%.
No
ranking de 71 países participantes, o Brasil ficou em 62.º, abaixo de outros
latinos como Chile, Uruguai e Argentina. Uma das razões é o fato de alunos de
baixa renda, em geral, frequentarem as piores escolas. “O Brasil ainda tem um
longo caminho para garantir que estudantes tenham acesso igualitário às
oportunidades educacionais, independentemente da origem dos seus pais ou do
lugar em que vivem”, disse um dos autores do estudo na OCDE Francesco Avvisati.
São
resilientes os alunos que estão entre 25% mais pobres do país e atingiram pelo
menos o nível 3 de desempenho do Pisa, nas três áreas avaliadas - Matemática,
Ciências e Leitura. Para a OCDE, o nível 3 é o mínimo necessário para que o
jovem possa ter “uma vida com oportunidades de aprendizagem”.
Apesar
da resiliência também ser uma característica pessoal, políticas e práticas
educacionais podem reduzir a vulnerabilidade dos estudantes, afirma o
relatório. Foram tabulados os fatores que mais influenciam nesse resultado
positivo.
Um
dos mais importantes é um bom ambiente escolar, sem graves problemas de
disciplina. Escolas com pouca rotatividade de professores e atividades
extraclasse têm mais resilientes. Segundo o estudo, alunos pobres que estudam
com colegas de classes sociais mais altas têm mais chance de sucesso. Já a
menor quantidade de alunos faltosos ajuda, mas é menos significante. “Um clima
em que os estudantes se sentem seguros e apoiados por professores e colegas é
crucial para o sucesso dos que estão em desvantagem socioeconômica”, diz Avvisati.
Não
foi encontrada qualquer relação entre o número de computadores por aluno e
outros recursos não humanos com a maior resiliência. Classes menores também não
têm influência. E meninas de perfil socioeconômico baixo tem 9% menos chances
de serem resilientes do que meninos da mesma escola.
Como
o Brasil tem índice baixo, não foi possível tabular quais fatores mais
influenciam a resiliência no País. Mas, nos questionários do Pisa sobre o clima
na escola, 40,3% dos brasileiros disseram que “os alunos não começam a estudar
logo que começa a aula” e 38% que “não ouvem o que o professor fala”. Nas redes
estaduais e municipais os índices são mais altos que na particular.
Emoção.
“É bagunça o tempo todo, professores ruins, tudo desestimula”, diz Victor
Gonzaga, de 19 anos, um exemplo de resiliência. Ele mora em Guarulhos e os pais
não têm ensino superior. Ao terminar o ensino médio na rede pública, fez dois
anos de cursinho, com bolsa. Mês passado, surpreendeu a família toda ao ser
aprovado em Medicina na Universidade de São Paulo (USP), na Federal de São
Paulo (Unifesp) e na Estadual de Campinas (Unicamp). “Minha mãe sempre me
incentivou e deixou que eu não trabalhasse nesses anos, mas a maioria dos meus
amigos não teve essa sorte.”
Gabriel
Zanata, de 17 anos, também da rede pública, acha o sistema injusto. “Quem é
mais rico vai para a escola particular. Parece que a regra é: quem está embaixo
tem de continuar embaixo, quem está em cima continua em cima.” Ele passou o
último ano saindo de casa às 6 horas e voltando só à meia-noite - fez escola e
cursinho juntos. “Foi muita emoção ver meu nome na lista (de aprovados no
vestibular). Vou ter uma oportunidade que meus pais não tiveram.” Gabriel vai
cursar Engenharia na USP. O pai é eletricista e a mãe, desempregada.
Equidade.
Hong Kong tem a maior taxa no ranking, 53,1%. É clara a relação entre
resiliência, qualidade e equidade. Em países com melhor resultado educacional e
menos desigualdade social, como Finlândia e Canadá, o valor é maior do que 30%.
Os que estão no fim da lista se saem pior em avaliações como o Pisa e são menos
igualitários, como Argélia, Peru e Líbano.
“Fico
preocupada em acharmos que a escola sozinha resolve toda essa questão”, diz a
ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação e diretora da
Fundação SM, Pilar Lacerda. Para ela, a má distribuição de renda e a pobreza
influenciam muito na falta de perspectiva para que o aluno consiga se enxergar
em um lugar melhor. “O esforço que temos de fazer é cinco vezes mais do que em países
onde as necessidades básicas já são atendidas.”
O
Brasil é o 10.º país mais desigual do mundo, segundo as Nações Unidas. “São os
menos favorecidos que estudam nas escolas que não têm aula, que falta
professor”, completa Mozart Neves Ramos, do Instituto Ayrton Senna. A
disparidade também é vista no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Segundo
dados tabulados, só 8% dos alunos com as mil melhores notas em 2016 eram da
rede pública. E 2,6% vêm de famílias com renda menor de 1,5 salário mínimo.
Para
Ramos, o caminho para reduzir a desigualdade passa pela inclusão no currículo
das habilidades socioemocionais, entre elas, saber trabalhar em grupo,
resolução de problemas e resiliência. “Você trabalha situações que promovem
mudança de atitude, auto estima. Primeiro você faz isso para depois corrigir
fluxo e alfabetização.”
Também
foi tabulado o avanço ao longo do tempo. Entre 2006 e 2015 (o Pisa é de três em
três anos), o Brasil passou de 0,6% de resilientes para 2,1%, alta considerada
significativa. Alguns dos maiores saltos foram de Portugal (16,3% para 25,8%) e
Rússia (12,7% para 24,5%).
Textos
e frações. O Pisa tem níveis de desempenho de 1 a 6. Os conhecimentos do 3 são
tidos como mínimos para alunos de 15 anos. E, por isso, são o limite para jovens
pobres serem considerados resilientes. Isso significa que sabem lidar com
frações, porcentagens e decimais. Na prova de leitura, identificam e
categorizam várias partes de um texto. Em Ciências, são capazes de explicar
fenômenos naturais mais conhecidos.
Segunda-feira,
05 de março, 2018 ás 10hs00
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