‘Em
política não há coincidências”, dizia Tancredo Neves. Lembrei-me da frase ao
refletir sobre fatos recentes — com origem na cúpula dos Três Poderes — que
comprometem, gravemente, o combate à corrupção. A percepção de um pacto existe,
e há motivos.
Em
março, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a Justiça Eleitoral iria
julgar crimes comuns, como corrupção e lavagem de dinheiro, conexos a delitos
eleitorais. Como os tribunais eleitorais não estão estruturados para apurar
crimes complexos, prescrições à vista…
CASO COAF – Há dois meses, o presidente do STF,
Dias Toffoli, suspendeu investigações oriundas de dados e trocas de informações
entre o Coaf, delegados e procuradores. O uso das informações sobre anomalias
financeiras detectadas pelo Coaf irá depender de autorização judicial, o que
travou investigações e beneficiou, dentre muitos, o senador Flávio Bolsonaro.
Já
o ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão imediata das apurações,
técnicas e impessoais, instauradas na Receita Federal, envolvendo 134
contribuintes. A determinação ocorreu no bojo do inquérito em que o STF, à
revelia do Ministério Público (MPF), investiga, julga e pune. Entre os que
deveriam prestar esclarecimentos ao Fisco estavam parentes de ministros da
Suprema Corte.
A
Segunda Turma do STF anulou a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir
Bendine, baseando-se em regras que, até então, não existiam. “Agora, além de
observar o processo legal, será preciso adivinhar o que ainda será criado por
interpretação futura do STF”, afirmou o competente procurador do Ministério
Público de Contas junto ao TCU, Júlio Marcelo.
ABUSO DE AUTORIDADE – A Câmara dos Deputados, em caráter de
urgência e em votação simbólica, aprovou projeto que criminaliza o abuso de
autoridade. A proposta é a reação da classe política à Lava-Jato. Os vetos do
presidente Bolsonaro não eliminaram por completo as possíveis punições a juízes
e promotores, com base em interpretações subjetivas relativas às suas decisões.
Paralelamente,
o pacote anticrime de Moro foi desidratado, e as 10 medidas de combate à
corrupção, fruto de propostas da sociedade, inclusive da Contas Abertas, não
avançam. Enquanto isso, os fundos eleitoral e partidário poderão custear multas
e advogados de políticos. No Senado, o presidente Alcolumbre não dá seguimento
aos pedidos de investigação do Judiciário, mesmo após três requerimentos
protocolados pelo senador Alessandro Vieira, com o número regimental de assinaturas.
No
Executivo, o presidente Bolsonaro editou medida provisória passando o Coaf
(agora UIF) para o Banco Central, com texto que abre brechas para indicações
políticas.
SUBSTITUIÇÕES
– O secretário-geral da Receita Federal já foi substituído, e o diretor-geral
da Polícia Federal, indicado por Moro, está com a cabeça a prêmio. O
procurador-geral da República recém-indicado condenou em maio o “corporativismo
institucional” do MPF e a “personalização” dos seus membros, o que implica na
“criminalização da política” e na “debacle da economia do país”. Mau sinal…
Ao
contrário da tese preferida por nove entre cada dez investigados, o combate à
corrupção não é a causa do marasmo econômico. O Brasil ocupa o 105º lugar
dentre 180 países avaliados no Índice de Percepção da Corrupção, da
Transparência Internacional, o que assusta investidores. Estima-se que a
corrupção atinja de 1,4% a 2,3% do PIB brasileiro, cerca de R$ 150 bilhões
anuais, valor igual ao orçamento do Ministério da Educação para este ano. O cartel
que atuava na Petrobras é considerado um dos maiores escândalos de corrupção do
mundo, em todos os tempos. Integrar o cartel, fraudar licitações e comprar
medidas provisórias era mais rentável do que qualquer investimento.
SEM
COINCIDÊNCIAS – Tudo o que está acontecendo, quase simultaneamente, faz lembrar
a frase de Tancredo: “Na política não há coincidências”. Mas há consequências.
O país não irá sair do buraco por meio de um pacto pela impunidade.
No
Brasil de hoje, no que diz respeito ao combate à corrupção, os cidadãos têm
medo do futuro. Alguns políticos têm medo do passado.
(Gil
Castello Branco O Globo)
Quinta-feira,
12 de setembro ás 9:00
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