E
lá vai o trem fantasma Brasil – a cada curva, à direita, surge uma assombração
para assustar a democracia. Nessa viagem, embora seja pequeno o pedaço da
estrada percorrido em oito meses, já se tornam concretas algumas das sinistras
intenções do maquinista, capitão da reserva Jair Messias Bolsonaro, da mesma
forma que concretas se tornam as intenções dos que alimentam a fornalha desse
trem a vapor: os foguistas Carlos, Eduardo e Flávio. Com a ausência de ética
fazendo prevalecer interesses pessoais e familiares em detrimento de valores
republicanos, vê-se Bolsonaro avançar sobre o comando de órgãos, instituições e
entidades públicas que andaram descobrindo coisas que ele não queria que fossem
descobertas.
A
história nos ensinou que movimentos de defesa da prole podem se tornar
movimentos de ataque a toda uma Nação. Quem já não teve a impressão, pela
janela do vagão de um trem, que a paisagem é que anda para trás, e que ele, o
trem, está parado? Pois são situações assim que tentam nos confundir olhos e
mente.
Leviatã sem limites
Jair
Bolsonaro sabe fazer isso. E o augúrio é claro e ruim: foi a Lava Jato
(observe-se o tempo pretérito do verbo porque ela já não é mais) a maior
operação contra a corrupção já realizada no Brasil, sem temor de enfrentar os
donos do poder e os donos do capital. Jair Bolsonaro, aos poucos, dormente por
dormente, está transformando-a numa Lava Jato pelo avesso, numa Lava Jato
particular. Bolsonaro quer ter o controle dos órgãos que concentram dados, não
para combater corruptos, mas para defender Flávio, enrolado na suspeição de
embolsar parte do salário de assessores. Ou, quem sabe, para utilizar tais
dados contra desafetos políticos ou qualquer cidadão que ouse pensar fora do
quadrado da ideologia bolsonarista.
O
mesmo se dá em relação ao filho Carlos, alvo de investigação do MP. Falando em Carlos,
o pai disse que ele acertou ao afirmar que a democracia emperra o desenvolvimento.
E foi além, dizendo que em Cuba as coisas andam mais rapidamente porque não tem
Congresso. Trocando em miúdos: Bolsonaro é de corpo e alma o projeto de poder
autocrático e, claro, a democracia liberal representativa lhe fica difícil de
engolir. Por isso faz uma Lava Jato ao contrário.
Recentemente,
viu-se a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge e o ministro do STF
Celso de Mello frisarem a “importância da independência do MP e da manutenção
da democracia”. Falariam isso jogando palavras ao vento, duas das mais
proeminentes figuras do País? Ou ambos, como áugures romanos, leram no voo e no
canto das aves que há no ar ameaças de mau agouro com a indicação de Augusto
Aras para substituir Raquel? Ele nem constava da tradicional lista tríplice e
Bolsonaro o indicou por ser “ideologicamente afinado”.
Mais:
também recentemente, por vontade de Bolsonaro, deu-se o afastamento do
secretário Marcos Cintra da Receita Federal. A desculpa foi a sua insistência
na ressuscitação da CPMF, mas isso não é tão verdade assim – e a prova é que
Bolsonaro fica em um vaivém sobre o tema, já admitindo, em redes sociais, que
pode discutir o assunto com o ministro da economia, Paulo Guedes. Com certeza o
substituto também é, na visão de Bolsonaro, “ideologicamente afinado”.
O
que se teme é que nesse diapasão o próprio Bolsonaro se torne dono de todas as
informações: os cidadãos estariam em suas mãos. É o Leviatã de Thomas Hobbes em
infinitas dimensões.
Nada
diferente é o que vem ocorrendo na Polícia Federal. Bolsonaro já humilhou
publicamente o ministro da Justiça, Sergio Moro, afirmando que quem manda na PF
é o presidente. Isso é totalitarismo. Em questão estava, é claro, a sua obsessão
em tirar da direção-geral o delegado Maurício Valeixo, indicado por Moro. Ou
seja: o presidente vai assim protegendo os filhos e os amigos mas exerce,
também, o aparelhamento do Estado.
Têm
razão Raquel Dodge e Celso de Mello, é preciso zelar pela democracia, não dá
para reduzir o farol. Tem boi na linha! O Brasil já viu isso com o Estado Novo
de Getúlio Vargas, no qual o departamento de imprensa e propaganda, chefiado
por Filinto Müller, fez alastrar os tentáculos do Estado por toda a sociedade.
E, aqui, vem uma lembrança intrusiva: um Bolsonaro já chamou a imprensa de
canalha. O clã tem um projeto de poder: dominar estrategicamente o campo da
informação, instituições e órgãos estatais, para um dia extorquir o povo no
voto e na ideologia, agindo de forma tirânica.
Há
um clássico ensaio, datado de 1723 e intitulado “Cartas de Catão”. Nele
propõe-se a distribuição do poder entre diversos órgãos sob a responsabilidade
de muita gente porque, dessa forma, um indivíduo fiscaliza a conduta de outro.
A estrada de Bolsonaro é diversa, basta uma pessoa mandando e acobertando o que
lhe interessa, desde que essa pessoa seja ele. Ou seja: ultrapassado o túnel do
aparelhamento do Estado, de tal túnel corremos o risco de ver sair, do escuro
para o dia, não mais um ziguezagueante trem… e, sim, uma serpente que a todos
envenena. (IstoÉ)
Sábado,
21 de setembro ás 12:00
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