Quatro
unidades do DF adotam disciplina militar para melhorar desempenho dos alunos e
a segurança. O modelo a ser replicado por Bolsonaro, porém, leva a um aumento
no número de jovens expulsos
Perfilados
no pátio do Centro Educacional Número 1 da Estrutural, uma das regiões mais
pobres do Distrito Federal, meninos e meninas escutam em silêncio a palestra do
capitão Igor, da Polícia Militar. Desde o início do mês, o oficial é o
vice-diretor disciplinar da escola. A palestra, que acontece todas as manhãs,
faz parte de uma nova disciplina incorporada ao currículo dessas crianças, a
ordem unida, mesmo nome que batiza o pronunciamento com que os comandantes
iniciam o dia de trabalho nos quarteis. “Não vamos tolerar menina de rabo de
cavalo nem homem de cabelo grande”, avisava o capitão, com a ênfase comum das
ordens que costumam ser dadas aos soldados. Os adolescentes, com idades entre 12 e 15 anos,
estavam avisados: para o bem e para o mal, um novo tempo instalou-se onde
estudam.
Dentro
de alguns meses, os alunos trocarão os uniformes escolares da rede pública do
DF por fardas semelhantes às dos militares
O
modelo de escola militar, com a parte disciplinar administrada pela PM, foi
implantado em quatro escolas de Brasília no início de fevereiro, por
determinação do governador o DF, Ibaneis Rocha (MDB). O modelo adotado segue o
que acontece em algumas cidades de Goiás, como Valparaíso, no entorno da
capital, a cerca de 50 quilômetros. São escolas em áreas violentas e pobres que
passam a ser geridas de forma compartilhada por professores e policiais
militares. Os primeiros cuidam da parte pedagógica, os PMs, de manter os alunos
na linha.
Na
Ordem Unida, são ditadas regras de funcionamento da escola e conceitos de
cidadania e respeito aos símbolos da pátria, como o hino e a bandeira, que os
estudantes devem seguir. Ao contrário do que acontece com outras matérias, como
português e matemática, a avaliação não é mensal, mas diária. Qualquer atitude
fora das normas é imediatamente advertida. Com algumas diferenças, o modelo que
na prática agora existe em Goiás e no DF será replicado em todo o País pelo governo
de Jair Bolsonaro. O presidente quer que cada Estado tenha pelo menos uma
escola militar modelo.
Desde
o dia 11, uma rotina mais rígida passou a fazer parte da realidade dos 6,9 mil
estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública do DF. Em Valparaíso,
a escola já funciona assim desde o ano passado. O modelo de gestão
compartilhada é uma resposta que o governador do DF tenta dar aos altos índices
de violência dentro dessas unidades. Alguns critérios foram levados em conta
para a escolha: quanto pior os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e de
educação básica (Ideb), e maiores os números no Mapa da Violência, mais há
chances de instalação de uma escola militarizada.
Agora,
além de professores em sala de aula, os alunos do CED 1 da Estrutural, uma
cidade carente situada a 20 quilômetros do Palácio do Planalto, convivem com o
trânsito de policiais fardados pelos corredores e pelo pátio. Rotina totalmente
diferente de anos anteriores, quando a circulação muitas vezes era de
traficantes e outros delinquentes. Tempo que a diretora, Estela Accioly,
presenciou, mas quer esquecer. “Eu já apreendi faca e canivete com aluno em
sala de aula”, conta. Diante dessas experiências, Estela festeja a novidade:
“Eu acredito que vai melhorar muito a questão da segurança”, espera.
Dentro
de alguns meses, os alunos trocarão os uniformes escolares (uma camiseta de
malha com a calça que quiser) por fardas. Em um primeiro momento, os meninos
usarão camiseta branca com calça jeans e sapato preto. As meninas, saia. Depois,
o uniforme será trocado pelas fardas parecidas com as dos militares.
Seleção sem inclusão
O
que o governo do DF não definiu ainda é se o ensino nessas escolas também será
o mesmo aplicado nos colégios militares tradicionais. Além da rigidez do
uniforme e dos costumes dos alunos, a unidade acadêmica do Exército Brasileiro
— o Colégio Militar de Brasília, que é referência no País — possui uma educação
de ponta, que se assemelha à de escolas particulares. Mas é preciso que o
governo invista mais recursos para isso, pois os colégios militarizados são
situados em localidades carentes, com baixa renda familiar, o que dificulta a
contrapartida das famílias, diferentemente das escolas militares tradicionais,
onde os pais pagam uma taxa pelo estudo de seus filhos. De qualquer modo, as
novas escolas já chamam a atenção da população. Irene Costa, 45 anos, foi cedo
na terça-feira 12 à Estrutural para tentar uma vaga para a neta Emily Alves, de
12 anos. “Aqui haverá mais segurança e o ensino vai ser bom, porque as escolas
militares têm boa fama”, acredita a dona de casa.
Em
Goiás, já existem 60 escolas militarizadas semelhantes às que foram implantadas
no Distrito Federal. Desde que passou a se chamar Colégio Estadual da Polícia
Militar de Goiás Fernando Pessoa, a instituição situada no Céu Azul, região
mais pobre de Valparaíso, viu diminuir seus índices de violência. “Um ex-aluno
foi assassinado aqui dentro antes de os militares chegarem”, lembra a
coordenadora pedagógica, Sônia Rodrigues. A taxa de evasão escolar também
zerou. Há um dado, porém: a escola livra-se de seus alunos-problema. A expulsão
de estudantes cresceu. E as expulsões estão ligadas ao método de avaliação
diária da disciplina. “Caso o aluno cometa transgressão até chegar ao conceito
insuficiente, o conselho disciplinar decide se ele fica ou não”, afirma o
diretor-comandante, Eric Chiericato.
No
DF, o governador Ibaneis planeja criar 40 escolas militarizadas. Catarina de
Almeida Santos, professora de Educação da Universidade de Brasília (UnB), diz
que as expulsões acabam servindo para selecionar alunos, mascarando o problema.
“No decorrer do tempo, essas escolas do DF vão começar a selecionar quem entra
também. Cria-se, assim, um falso modelo de qualidade. O que acontece com a
continuação da educação desses meninos expulsos? Corre-se o risco de, no
extremo, você ter uma escola modelo em determinada região na qual as crianças
que vivem ali não vão conseguir estudar”, avalia a especialista. Ela ainda
ressalta: “A polícia que está dando segurança dentro da escola é a mesma
polícia que não consegue conter a violência na região”. Diretor do Sindicato
dos Professores do DF, Cláudio Antunes crítica: “Estão transformando nossas
escolas em presídios”.
Alheio
à discussão mais técnica sobre os modelos pedagógicos, a aluna do oitavo ano da
escola na Estrutural, Maria Paulo, de 13 anos, reclama da Ordem Unida do
capitão Igor. “Cortar as unhas, prender o cabelo? O que tem de errado com
minhas unhas e meu cabelo?”, protesta.
DISCIPLINA
MILITAR
Como operam as escolas das
PMs
>>
A gestão das escolas é compartilhada. São dois diretores. Um professor cuida da
parte pedagógica. Um policial militar é responsável pelas questões
disciplinares
>>
Os alunos passaram a ter a disciplina ordem unida. O conteúdo é composto de
palestras que tratam de questões morais e de cidadania, indo até ao modo de
vestir e cortar o cabelo. Os alunos também hasteiam a bandeira e cantam o Hino
Nacional
>>
Cada aluno usa uma farda. Os meninos calça e camisa que lembram o uniforme da
PM e levam o símbolo da corporação. As meninas, saia e blusa com o mesmo
símbolo
>>
Os PMs também assumiram a responsabilidade das aulas de educação física e
música
>>
Professores passam a ser chamados de senhor e de senhora pelos alunos (IstoÉ)
Domingo,
17 de fevereiro, 2019 ás 00:05
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