O
procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu nesta terça-feira, dia 1,
o aprofundamento das investigações sobre o ataque sofrido pelo presidente Jair
Bolsonaro, no ano passado, por acreditar que Adélio Bispo de Oliveira não agiu
como um “lobo solitário” ao dar uma facada no então candidato do PSL.
“Ainda
é tempo de buscar a verdade real do atentado”, disse Aras ao Estado,
reproduzindo o discurso do próprio presidente, que o indicou ao cargo.
NOVO
INQUÉRITO – A Polícia Federal concluiu, em 2018, que Adélio agiu sozinho, mas
um novo inquérito foi aberto para apurar a participação de terceiros. A Justiça
o considerou inimputável, incapaz de responder por seus atos.
O
presidente Jair Bolsonaro cobra até hoje a apuração do atentado que sofreu em
Juiz de Fora. O processo precisa de outra abordagem?
Acredito
que devesse merecer aprofundamento das investigações. Não me parece crível pelo
modus operandi em que agiu Adélio que o atentado à vida do atual presidente
tenha sido um mero surto de quem quer que seja.
Por
quê?
O
uso de uma arma branca, a suspeita de coparticipes na multidão, a tentativa de
confundir as apurações com a entrada de pessoas com o mesmo nome na Câmara, o
surgimento de advogados que não foram contratados por alguém conhecido são elementos
que precisam ser investigados. Ainda é tempo de a Polícia Federal, do
Ministério Público Federal, atuando em conjunto, buscar a verdade real do
atentado.
A
narrativa do “lobo solitário” não convence o senhor?
Não,
pelas circunstâncias.
Na
prática, a PGR pode pedir quais providências sobre o caso?
Esse
assunto precisa ser tratado pelos advogados do presidente neste momento.
É
importante o STF delimitar o entendimento da decisão sobre réus delatados
poderem apresentar alegações finais depois dos delatores?
Sim.
Deixar delimitado, inclusive com uma premissa básica, que é a premissa do
prejuízo. Para que haja nulidade é preciso que haja prejuízo. Não posso temer efeito drástico para a Lava
Jato. O eu posso dizer é que não é assimilável para a comunidade jurídica,
muito menos para o povo brasileiro, que a verdade dos fatos apurada de forma
substantiva venha a ser prejudicada por uma verdade formal, resultante de
vícios na condução do processo. Se for apurado que os réus cometeram crimes,
vícios formais não podem invalidar essas condenações. Segurança jurídica exige
submissão dos homens às leis, e não ao arbítrio. Se nós admitíssemos um Estado
que ignora a verdade, logo teríamos de admitir as fake news. Ou melhor,
teríamos de admitir um Estado de arbítrio.
Então,
questões processuais não derrubam todo o trabalho da Lava Jato?
Não
podem atingir a Lava Jato. Cada caso precisa ser apreciado porque o réu, o
delatado, que é o último a falar, pode, em tese, apresentar motivos para
afastar aquela suposta verdade constituída nos autos.
No
caso do tríplex, o ex-presidente Lula alega que não teve direito a julgamento
justo. O senhor acredita que ele tem razão quando diz que deveria ter o direito
de um novo julgamento?
Não
posso falar sobre o mérito de causas que ainda vão ser apreciadas. Do ponto de
vista técnico, a suspeição, em tese, não invalida a condenação. O que invalida
a condenação é o juiz impedido. A suspeição não tem a mácula, porque a
suspeição deve ser arguida pela parte na primeira oportunidade.
Em
tese, um réu teria direito de se recusar a migrar para outro regime? Não é uma
situação inusitada?
É
uma situação inusitada. Pode alguém renunciar a algum direito? Pode. Só que no
caso, a progressão da pena, de outra parte, reduz o custo do Estado na manutenção
do preso. Essa redução do custo do Estado no cumprimento da pena gera um
direito contrário ao do preso.
Como
o senhor se manifestará no inquérito das fake news aberto pelo Supremo, que não
teve cópia enviada à PGR até hoje?
Nós
temos encontro marcado para discutir a ausência de participação da PGR no caso
das fake news, do doutor Janot (Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da
República), do senador Fernando Bezerra (líder do governo no Senado, alvo de
operação da PF). Mas isso não significa dizer nulidade. Uma coisa é a defesa
intransigente que faremos das nossas prerrogativas constitucionais, outra coisa
é imputar nulidade a uma investigação que merecerá a apreciação da PGR.
O
senhor também usará as provas colhidas no gabinete do senador Fernando Bezerra
na operação autorizada pelo STF sem aval de Raquel Dodge, sua antecessora?
O
princípio é o mesmo. Mas não podemos permitir que isso continue ocorrendo.
Porque, aí sim, se isso virar uma prática de subversão das prerrogativas do
Ministério Público, este MP terá de adotar alguma providência.
Preocupa
o senhor que no inquérito das fake news não haja um fato específico para
apuração?
Quando
eu digo que temos um encontro marcado com o Plenário do STF é para dizer que
nós vamos ter de debater essa posição de alguns ministros que, superando as
prerrogativas do MPF, adotam uma posição investigativa que não é da sua
natureza. Qual é o limite do ministro? É só isso.
A
possibilidade de procuradores entrarem na mira da investigação do STF preocupa
o senhor?
Não,
isso não me preocupa. O procurador que porventura tiver violado a lei tem que
responder. A casa tem de cumprir seu dever dentro e fora, não é só na rua. O
corporativismo faz que os adversários sejam perseguidos e os acólitos,
protegidos.
O
Conselho Nacional do MP pode investigar a conduta de Janot, mesmo com ele
aposentado?
Em
tese, se ficar provado que houve falta funcional, pode sim porque os fatos são
anteriores à aposentadoria. Apoio que o Conselho investigue toda e qualquer
conduta ilícita.
Que
prejuízos traz a decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, de suspender
investigações com base em dados do Coaf?
Pode
impedir, embaraçar, atrasar as investigações em curso, mas estamos certos de
que o STF também sabe dessa alta responsabilidade e haverá de pautar o quanto
antes esse caso. Assim, as distintas investigações podem voltar ao seu leito
normal.
O
senhor concorda com o pedido de Raquel Dodge de federalização do caso da
vereadora assassinada Marielle Franco?
Eu
apoio (a federalização) em razão do decurso do tempo, da denúncia da Dra.
Raquel, demonstrando que houve obstrução, incapacidade dos agentes públicos do
Estado do Rio para conduzir as investigações e apurar a autoria do fato. Tudo
revela a necessidade da federalização.
O
caso Marielle será uma prioridade do senhor na PGR?
Todo
caso de homicídio é prioritário. O de Marielle ganha contornos mais fortes
perante a opinião pública em função de ela exercer um mandato político e em
razão das circunstâncias em que foi assassinada. O Ministério Público tem que
ver cada morte, de Marielle, de Ágatha (menina de 8 anos, morta com um tiro de
fuzil, no Rio), de quem quer que seja, como fato relevante para que os culpados
sejam punidos.
O
ministro do STF Edson Fachin cobrou a sua antecessora por segurar casos da Lava
Jato por até 21 meses. O senhor pretende destravar esses processos?
É
prioridade, porque tem prazos próprios. Não é só destravar. O Ministério
Público deve se pautar pelo princípio da impessoalidade. Eu não posso escolher
o meu réu preferido, não posso ser o malvado favorito de ninguém nem escolher o
réu. Eu preciso trabalhar com critérios objetivos e racionais. O ideal é
colocar esses processos cronologicamente para a assessoria cumprir de trás para
a frente. Isso para aqueles processos que não têm prazos fatais.
O
senhor tem porte de arma?
Quem
é que não tem (no Ministério Público Federal)? Agora, no ambiente do STF, você
vai andar armado para quê? Não é questão de ser pacífico, é de ser respeitador
das leis. Eu vou ao Supremo ou a essa Procuradoria armado? Lá na rua a gente
pode até ter necessidade, mas não aqui dentro.
(Estadão)
Quarta-feira,
02 de outubro ás 19:30
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