O
raciocínio do editor Carlos Newton sobre corrupção e felicidade, me trouxe
recordações. Quando criança, cresci na Sociedade Amigos de Bairro da Praia do
Pernambuco, no Guarujá. Ali, naquele tempo, estava condensado grande parte do
poder financeiro (famílias oligarcas), poderosos formadores de opinião da época
(o D e o Z da DPZ, por exemplo), gente graúda do governo (Simonsen, etc.), o
Emerson fazendo cooper na praia (com o boné da Copersucar), etc., e até os
generais que chegavam da base de Santos para discutir o editorial da próxima ‘O
Cruzeiro’ a ir para as bancas….
Éramos
uma comunidade um tanto isolada da cidade naquele tempo e, em meio a isso, nós,
a juventude da praia, convivíamos muito bem com caseiros e todo o pessoal que
trabalhava no bairro, dos sorveteiros da Kibon aos seguranças do ‘Jequitimar’.
NA
FAVELA – Tínhamos a liberdade de ir beber e jogar bilhar na favela da “Maré
Mansa”, nos fundos do bairro. Certa vez me convidaram para jantar, um arroz com
feijão, bife e quiabo, estava tão bom que cochilei no barraco e esqueci de
voltar para casa.
Convivíamos
pacificamente, e felizes. No meu caso tem gente simples daquele tempo que até
hoje me chama de ‘meu filho’.
Os
meses de estudo eram em São Paulo, onde encontrava com o Mario Amato todos os
dias, no vestiário, saindo da natação; eu almoçava no clube, éramos garotada,
fazíamos alvoroço porque fulano de tal estava usando um relógio digital,
daqueles primeiros, vidro escuro, onde apareciam os números em luz vermelha,
isso muito antes dos mostradores de cristal líquido poderem ser comprados a
baciada na galeria Pagé; isso no tempo em que para ter um relógio digital
precisava possuir a fortuna de um Blairo Maggi.
EU
E ERMÍRIO – Lembrei também do dia em que eu usava um chapéu de feltro do meu
avô (cravado de ‘bottons’ da Eco 92) e caminhava pelo centro de São Paulo
(Xavier de Toledo – Mappin – Praça Ramos de Azevedo – Teatro Municipal) quando
o Antonio Ermírio de Moraes saiu, sozinho, do prédio da Votorantim, caminhando
na mesma calcada no sentido oposto.
Nos
miramos uns segundos a mais que o normal, eu por ele ser quem era, ele por eu
estar com aquele chapéu…
Não
pareceu infelicidade o que vi na face do bilionário, mas um semblante de quem
não tinha aquele tipo de liberdade, de poder usar um chapéu quatro décadas fora
da época e andar com aquele ar de ‘saí por aí’… E quando que eu veria novamente
um bilionário caminhando sozinho no centrão de São Paulo, nos dias de hoje!?!
ANTIGAMENTE…
– Lembrei de fotografias da São Paulo antiga, das ruas no Centro ao Conjunto
Nacional na Av. Paulista, todos trajavam ternos, chapéus, até mesmo na classe
operaria todos tinham um terno e um chapéu para fazer par aos costumes, não
eram relegados ao malabarismo de farol, a maratonistas de chinelo furado
correndo para vencer o tempo do semáforo, tirando a sorte para vender umas
balinhas…
Na
década de 90 havia um ambulante vendendo dropes na rua do melhor cursinho de
São Paulo, junto ao cemitério da Consolação, que ‘falava’ em inglês com todo
mundo quando oferecia seu produto; era de uma simpatia! Ele transmitia uma
felicidade que não tinha jeito!
Todos,
mesmo os ranzinzas, todos entravam na dele! Só se via motorista abrindo o maior
sorriso! E o cara vendia aos montes por conta disso! Ficou famoso, foi
‘estudado’ por trabalhar feliz assim…
FELICIDADE
– Se a alma do negócio é a felicidade, mas felicidade mesmo e não essa
‘macacagem’ dos presidentes que posam um ‘sorriso Colgate’ para as câmeras, e
meio segundo depois estão olhando pro lado com ‘vontade de matar’, certamente
estamos vivendo um negócio errado.
Os
exemplos sempre vêm de cima, dos que nos antecederam nesta vida. Vendo sumir a
simplicidade que Carlos Newton mencionou no texto, a empatia e o coletivismo
sendo trocados por “metidez”, a poesia musical de Noel substituída pela
baixaria de uma Anita qualquer da vida, resta-nos reconhecer as nossas riquezas
do passado, valorizar as riquezas sociais que sobrevivem do presente (como o
show dos Tribalistas na Arena do Palmeiras em 2018!) e comungar com o
verdadeiro Deus, em espírito, para que tenhamos a força necessária para
reavivar a memória que nos ensinou o caminho dessa felicidade; que ela está
sendo perdida, cada vez mais por falta de exemplos, sendo apagada da lembrança
dos que vivem o tempo atual.
Corrupção
é uma decorrência dessa perda.
(André
Cardoso/Tribuna da internet)
Terça-feira,
29 de outubro ás 11:00
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